Natureza e Ética

Aug 23, 2025Por Tommaso Pavone

TP

O que é o "bem viver"
em tempos de crise climática.

A cada ano, os sinais da crise climática ficam mais evidentes: enchentes devastadoras, secas prolongadas, ondas de calor recordes, queimadas e perda acelerada da biodiversidade. Esses fenômenos, cada vez mais frequentes, nos obrigam a repensar nossa relação com a natureza e a refletir sobre o verdadeiro sentido de qualidade de vida.


Nesse contexto, surge o conceito do “bem viver”, uma filosofia que propõe um olhar ético e coletivo diante dos desafios ambientais. Mais do que um estilo de vida, trata-se de uma mudança de paradigma que pode apontar caminhos para um futuro sustentável.

O que é o “bem viver”? 

O bem viver (ou sumak kawsay, em quíchua) é um conceito originário das culturas indígenas andinas, especialmente do Equador e da Bolívia. Diferente do modelo ocidental de desenvolvimento, que muitas vezes prioriza o crescimento econômico a qualquer custo, o bem viver valoriza o equilíbrio com a natureza, a coletividade e a vida em harmonia.


Em vez de pensar no acúmulo de bens materiais, essa visão propõe que a verdadeira riqueza está em viver em comunidade, respeitar os ciclos da terra, cultivar relações justas e garantir a continuidade da vida em todas as suas formas.

A ética ambiental e a responsabilidade humana.

Falar em bem viver em tempos de crise climática é, acima de tudo, uma questão ética. A ética ambiental nos lembra que cada escolha – individual ou coletiva – gera impactos no planeta. Alguns princípios fundamentais dessa ética são:

Respeito à biodiversidade: reconhecer o valor intrínseco de cada ser vivo, e
não apenas enxergá-lo como recurso explorável.
Justiça climática: compreender que os efeitos das mudanças climáticas atingem mais fortemente as populações vulneráveis, que muitas vezes não são
responsáveis pelos maiores níveis de emissão de poluentes.
Responsabilidade intergeracional: refletir sobre o legado que deixaremos para as próximas gerações.
Consciência coletiva: assumir que a solução não depende apenas de governos, mas também de cidadãos, empresas e comunidades. 

Tiro de um adolescente irreconhecível pegando lixo de um campo no acampamento de verão

Crise climática: a realidade do Brasil e do mundo.

Para entender a urgência desse debate, basta observar os últimos acontecimentos:


Brasil (2024/2025): enchentes no Rio Grande do Sul deixaram milhares de
desabrigados e evidenciaram a falta de preparo das cidades para eventos
climáticos extremos.
Amazônia: a seca recorde de 2023 afetou comunidades ribeirinhas e
interrompeu o transporte fluvial em várias regiões.
Mundo: em 2023 e 2024, países da Europa, da Ásia e da África enfrentaram
ondas de calor acima dos 45 °C, com impactos na saúde, agricultura e energia.


Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), se nada for feito, a temperatura média do planeta pode aumentar em até 2,7 °C até o final do século, ampliando ainda mais os desastres climáticos.


Esses dados mostram que o meio ambiente não é uma pauta distante, mas uma realidade que afeta a vida de todos nós.

Bem viver x sociedade de consumo

Grande parte da crise climática está relacionada ao modelo de sociedade baseado no consumo desenfreado. A lógica de “ter mais” muitas vezes ignora os limites do planeta, resultando em exploração excessiva de recursos naturais, poluição e desigualdade social.


Já o bem viver propõe outro caminho:


• Valorizar a cooperação em vez da competição;
• Priorizar o suficiente em vez do excesso;
• Reconhecer que a felicidade não depende apenas do consumo, mas da qualidade das relações humanas e do equilíbrio com a natureza.


Esse contraste mostra como os ensinamentos de povos tradicionais podem inspirar soluções para problemas globais.

Como praticar o bem viver no dia a dia 

Adotar o bem viver não significa abrir mão do conforto moderno, mas sim repensar hábitos e escolhas. Algumas práticas incluem:


1. Consumo consciente: comprar apenas o necessário, preferindo produtos
sustentáveis e de origem local.
2. Alimentação sustentável: valorizar alimentos frescos, reduzir o desperdício e apoiar a agricultura familiar.
3. Mobilidade verde: optar por transporte público, bicicleta ou veículos menos
poluentes sempre que possível.
4. Educação ambiental: incentivar crianças, jovens e comunidades a
compreenderem a importância do cuidado com o planeta.
5. Participação cidadã: cobrar políticas públicas de preservação ambiental e
apoiar projetos comunitários.
6. Resgate de saberes tradicionais: aprender com comunidades indígenas e
quilombolas, que já praticam modos de vida sustentáveis há séculos.

Impacto da seca na agricultura

Conclusão: um chamado para a transformação

Em tempos de crise climática, refletir sobre o bem viver é mais do que filosofia: é uma necessidade urgente. Se quisermos garantir um futuro justo e sustentável, precisamos unir ética, cidadania e consciência ambiental.


O bem viver nos convida a resgatar a simplicidade, fortalecer os laços comunitários e reconhecer que o ser humano é parte da natureza – e não seu dono.

Cuidar do planeta é cuidar de nós mesmos. E quanto antes entendermos isso, maiores serão as chances de construirmos uma sociedade mais equilibrada, resiliente e feliz.